domingo, 13 de julho de 2025

COMO IMPLEMENTAR UM PROGRAMA DE COMPLIANCE


  •  Prof. Dr. Leopoldino Vieira Neto, PhD.
  • Coordenador dos Mestrados e Doutorados da Florida University USA

Programa de Compliance: Estrutura, Componentes e Aplicação Prática

Um Programa de Compliance eficiente é mais do que um conjunto de normas: é um compromisso organizacional com a ética, a integridade e o cumprimento rigoroso das leis e regulamentações aplicáveis. Na empresa, esse compromisso se estrutura em seis pilares fundamentais, cada um com funções estratégicas claras e práticas específicas para garantir que a cultura de conformidade esteja viva em todos os níveis hierárquicos.

1. Código de Conduta e Ética

O Código de Conduta e Ética é o documento central de todo Programa de Compliance, pois define os princípios e valores que orientam as atitudes, decisões e comportamentos de todos os colaboradores. Sua elaboração deve envolver uma análise profunda dos valores corporativos, das expectativas de mercado e das normas legais, culminando em um texto claro, objetivo e acessível, escrito em linguagem que todos os públicos da empresa compreendam. Após a sua finalização, a comunicação do código precisa ser estratégica: cada colaborador deve receber uma cópia física ou digital, participar de apresentações explicativas e ter acesso facilitado a esse documento em plataformas internas.

No entanto, ter o código apenas disponível não basta; é indispensável o treinamento específico, que deve ocorrer na integração de novos funcionários e periodicamente para todos os demais. Esse treinamento vai além da leitura do documento: utiliza dinâmicas, estudos de caso, simulações de dilemas éticos e debates para garantir que o código seja compreendido não apenas como obrigação, mas como parte integrante da identidade organizacional.

2. Políticas e Procedimentos

A robustez de um Programa de Compliance depende da existência de políticas e procedimentos claros e aplicáveis. Políticas específicas, como anticorrupção, antissuborno e prevenção de conflitos de interesses, delimitam práticas aceitáveis e inaceitáveis, fornecendo orientações detalhadas para situações complexas. Por exemplo, uma política anticorrupção deve esclarecer quais presentes corporativos são permitidos, como registrar interações com autoridades públicas e como lidar com ofertas suspeitas.

Essas políticas devem ser acompanhadas de Procedimentos Operacionais Padrão (SOPs), que descrevem em etapas cada processo crítico que envolve conformidade: desde a contratação de fornecedores até a prestação de contas financeiras e relatórios de atividades. Esses procedimentos funcionam como guias práticos que reduzem interpretações ambíguas e mantêm a consistência de ações em todos os departamentos. Além disso, a equipe de compliance deve revisar esses documentos periodicamente, adaptando-os a novas legislações e práticas do setor.

3. Avaliação de Riscos

Nenhuma organização está imune a riscos, mas conhecê-los e mitigá-los é obrigação essencial do compliance. Na empresa, a identificação de riscos de compliance começa com o mapeamento de áreas mais expostas, como setores que lidam com contratos governamentais, compras, finanças e relações comerciais internacionais. Cada risco identificado deve ser classificado conforme sua probabilidade de ocorrência e impacto potencial, criando uma visão clara de onde concentrar esforços preventivos.

A metodologia de avaliação de riscos mais indicada combina entrevistas, questionários e workshops com gestores, além de auditorias prévias que revelem vulnerabilidades ocultas. Ferramentas como matriz de risco (impacto x probabilidade) ou análise SWOT (forças, fraquezas, oportunidades e ameaças) podem tornar o processo mais preciso. Após essa etapa, cabe à área de compliance propor ações preventivas e corretivas para mitigar cada risco, monitorando continuamente o ambiente interno e externo para detectar mudanças que demandem ajustes imediatos.

4. Treinamento e Educação

O treinamento contínuo é o motor que mantém vivo o Programa de Compliance. A empresa  precisa investir em programas de treinamento periódicos, segmentados conforme as funções de cada colaborador. Enquanto diretores e gestores devem aprofundar-se em normas específicas, colaboradores operacionais podem receber formações focadas em situações práticas do dia a dia, como identificação de fraudes ou abordagem correta de clientes e fornecedores.

Além de cursos presenciais, a educação em compliance deve incluir plataformas online, trilhas de aprendizagem, quizzes e materiais interativos para reforçar o conteúdo de forma leve e constante. Campanhas de conscientização — como semanas temáticas, envio de newsletters e fixação de materiais informativos em locais de grande circulação — mantêm o tema vivo na memória da equipe, criando um ambiente de trabalho em que todos se sintam corresponsáveis pela integridade corporativa.

5. Monitoramento e Auditoria

A implementação eficaz de políticas e procedimentos demanda monitoramento sistemático. A empresa deve adotar ferramentas digitais que rastreiem transações, fluxos de pagamento e outras atividades sensíveis, possibilitando a detecção de padrões suspeitos em tempo real. Essa estrutura deve ser complementada por auditorias internas e externas periódicas, conduzidas por profissionais capacitados e independentes, para avaliar se as práticas estão em conformidade com as políticas vigentes.

Os resultados dessas auditorias devem gerar relatórios detalhados, discutidos em reuniões regulares com o comitê de compliance, que deve reunir membros da alta gestão, da área jurídica e de auditoria. Esses relatórios não se limitam a apontar falhas: eles devem propor medidas corretivas, cronogramas de execução e responsáveis claros, além de acompanhar o progresso das ações recomendadas.

6. Canais de Denúncia

Nenhum programa de compliance é completo sem canais que permitam aos colaboradores, clientes e parceiros reportarem irregularidades de forma segura, anônima e confidencial. A empresa deve oferecer múltiplas opções de denúncia, como linhas telefônicas, caixas físicas de sugestões, e plataformas online criptografadas. É essencial que todos saibam como utilizá-los e confiem na sua eficácia e proteção.

Tão importante quanto disponibilizar o canal é estabelecer protocolos claros de recebimento, triagem e investigação das denúncias. Toda comunicação recebida deve ser analisada com imparcialidade, dentro de prazos definidos, assegurando que nenhum denunciante sofra retaliação. As investigações devem contar com profissionais treinados, com independência para apurar os fatos, documentar evidências e recomendar medidas disciplinares ou judiciais quando cabíveis.

Conclusão

O sucesso de um Programa de Compliance depende da interação coerente entre esses seis pilares. Quando bem estruturado, o programa protege a empresa de sanções legais, fortalece sua imagem pública, aumenta a confiança de investidores e parceiros, e, sobretudo, cria uma cultura corporativa ética, transparente e resiliente. Assim, o compliance deixa de ser apenas uma obrigação legal para se tornar uma vantagem competitiva sustentável.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

HENCSEY, Antonio Carlos; BEZERRA, Christina Montenegro; PEREZ, Marisa. Investigações Internas: Condução, Desafios e Melhores Práticas. In: FRANCO, Isabel (org.). Guia prático de compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

KELLY, M. Notes From #Risk Conference - In Radical Compliance Blog Julu 2025 Capturado em: https://www.radicalcompliance.com/2025/07/10/notes-from-risk-conference/ 

PAGOTTO, Leopoldo; ALMEIDA, Silvia Helena Cavalcante de; FERNANDES, Indira. Investigações Internas. In: CARVALHO, André Castro; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho; ALVIM, Tiago Cripa; VENTURINI, Otavio (coord.). Manual de Compliance. 3° Ed. Editora Forense, 2024.


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