sábado, 9 de agosto de 2025

Fenomenologia da Incidência Tributária

 


Fenomenologia da Incidência Tributária

Prof. Dr. Leopoldino Vieira Neto, PhD.
Coordenador dos Mestrados e Doutorados da Florida University Usa
Email: leovine@fu-usa.com

1. Introdução

O estudo da fenomenologia da incidência tributária insere-se no campo da Ciência do Direito Tributário e da Economia Fiscal, tendo como objetivo compreender não apenas a ocorrência do fato gerador do tributo, mas também todo o conjunto de relações, pressupostos e efeitos que se desenvolvem desde a previsão legal até a concretização da obrigação tributária.

Enquanto a incidência tributária, em sentido estrito, é muitas vezes tratada como o simples ato de aplicação da norma tributária ao fato ocorrido, a fenomenologia propõe uma abordagem mais ampla, de natureza descritiva e explicativa, buscando revelar as dimensões ontológicas, jurídicas e econômicas envolvidas no fenômeno da tributação.

 

2. Conceito de Incidência Tributária

A incidência tributária é tradicionalmente definida como a aplicação da regra-matriz de incidência tributária (RMIT) ao fato jurídico tributário, transformando um evento previsto em lei (fato gerador) na obrigação tributária principal.

No pensamento de Paulo de Barros Carvalho (2010), a incidência é um processo lógico-jurídico de subsunção: a norma abstrata encontra correspondência no fato concreto, gerando efeitos jurídicos.

Já sob o prisma fenomenológico, essa definição se expande, incluindo a percepção de que o fenômeno tributário envolve uma série de etapas:

  1. Previsão normativa (hipótese de incidência);
  2. Ocorrência do fato no mundo real;
  3. Subsunção jurídica (ato cognitivo de enquadramento);
  4. Constituição da obrigação tributária;
  5. Exigibilidade e arrecadação;
  6. Repercussão econômica (quem efetivamente suporta o ônus).

 3. Fundamentos da Fenomenologia no Direito Tributário

A fenomenologia, enquanto método filosófico, desenvolvida por Edmund Husserl, busca compreender o fenômeno como ele se apresenta à consciência, descrevendo-o em sua essência. No Direito Tributário, esse enfoque é adaptado para entender a manifestação concreta da relação jurídico-tributária, indo além da dogmática normativa.

Aplicada à tributação, a fenomenologia busca responder questões como:

  • Quais são as condições de possibilidade para que um tributo “incida” efetivamente?
  • Como o sujeito passivo percebe e reage à obrigação tributária?
  • Quais distorções ocorrem entre a previsão legal e a efetiva arrecadação?

Assim, a fenomenologia tributária não se limita à teoria pura do Direito, mas incorpora elementos de sociologia fiscal, economia e comportamento do contribuinte.

 

        4. Estrutura da Regra-Matriz e a Fenomenologia

A Regra-Matriz de Incidência Tributária (RMIT), segundo Paulo de Barros Carvalho, é composta por dois grandes blocos:

  • Hipótese de Incidência (critério material, espacial e temporal)
  • Consequente Tributário (critério pessoal e quantitativo)

A fenomenologia busca compreender não apenas essa estrutura lógica, mas o processo dinâmico que liga esses elementos.

Por exemplo, no caso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS):

  • Critério material: circulação de mercadorias.
  • Critério temporal: momento da saída da mercadoria do estabelecimento.
  • Critério espacial: território do Estado.

Fenomenologicamente, não basta constatar a saída da mercadoria; é preciso observar se houve emissão de nota fiscal, se o fato foi captado pelo fisco, se o contribuinte reconheceu a obrigação e se houve pagamento efetivo.

 

        5. Dimensão Econômica da Incidência

A fenomenologia da incidência tributária não ignora a distinção entre incidência jurídica e incidência econômica.

  • Incidência jurídica: quem a lei indica como contribuinte.
  • Incidência econômica: quem efetivamente suporta o ônus financeiro.

Um exemplo clássico é o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A lei atribui a obrigação ao fabricante (contribuinte de direito), mas o ônus econômico geralmente recai sobre o consumidor final (contribuinte de fato), por meio do repasse no preço.

Essa diferença é fundamental para a fenomenologia, pois a percepção social da carga tributária nem sempre coincide com o texto legal. Isso impacta na aceitação dos tributos, na evasão fiscal e na eficácia das políticas tributárias.

 

6. Aspectos Jurídicos e Práticos

A fenomenologia da incidência tributária também se preocupa com o descompasso entre norma e realidade.

Exemplos:

  • Evasão fiscal: o fato gerador ocorre, mas não é declarado.
  • Elisão fiscal: o contribuinte estrutura suas operações para evitar o fato gerador.
  • Não incidência: situações fora do campo de aplicação da norma.

Além disso, a efetividade da incidência depende de fatores como:

  • Capacidade administrativa do fisco (fiscalização, tecnologia).
  • Clareza normativa (segurança jurídica).
  • Custos de conformidade (compliance tributário).

Fenomenologicamente, a incidência só se completa quando o fato gerador é identificado, juridicamente enquadrado, transformado em obrigação e, por fim, satisfeito mediante pagamento.

 

        7. Exemplos Concretos de Fenomenologia da Incidência

  1. ISS sobre serviços digitais: A lei prevê a incidência, mas a fenomenologia revela dificuldades de apuração quando o prestador está no exterior.
  2. ICMS no e-commerce: a operação é materialmente tributável, mas a complexidade da substituição tributária e da partilha entre estados impacta a efetividade.
  3. Imposto sobre grandes fortunas (previsto no art. 153, VII da CF): embora a hipótese de incidência exista na Constituição, não há lei complementar que a regulamente, logo a fenomenologia mostra a ausência de concretização.

 

8. Fenomenologia, Justiça Fiscal e Políticas Públicas

A fenomenologia da incidência tributária também contribui para a análise de justiça fiscal.

Ao observar quem realmente suporta os tributos, é possível avaliar:

  • Progressividade ou regressividade do sistema tributário.
  • Efeitos distributivos sobre diferentes classes sociais.
  • Distância entre a política fiscal planejada e a efetivamente alcançada.

Esse enfoque é relevante para reformar o sistema tributário, reduzindo distorções como a tributação excessiva sobre o consumo e a carga relativamente menor sobre a renda e o patrimônio.

 

        9. Conclusão

A fenomenologia da incidência tributária amplia a compreensão do fenômeno tributário, indo além da aplicação mecânica da norma. Ao integrar aspectos jurídicos, econômicos, sociais e administrativos, permite identificar lacunas entre previsão e prática, contribuindo para um sistema mais eficiente, justo e transparente.

Estudar a incidência tributária sob essa ótica é essencial para legisladores, administradores fiscais e contribuintes, pois possibilita a formulação de políticas tributárias mais coerentes com a realidade econômica e social, aumentando a eficácia da arrecadação e a legitimidade do sistema fiscal.

 

Referências Bibliográficas

  • ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidencia Tributária. V.8. Ed. Revista dos Tribunais, 1984.
  • CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
  • DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito Tributário Brasileiro: Doutrina e Jurisprudência. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
  • MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2023.
  • TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Financeiro e de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
  • HUSSELR, Edmund. Ideias para uma Fenomenologia Pura. Lisboa: Edições 70, 2012.

 

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